domingo, 4 de maio de 2008

Sem comentários: "Não reprovemos os alunos, diz a OCDE" - de Cartas ao Director do Público (4.5.08)

«A propósito do artigo de primeira página no PÚBLICO de 30 de Abril, deixem-me contar-vos uma pequena história verídica: sou professora de Inglês numa escola secundária. Há tempos, um aluno de 10.º ano, nível 6 da língua inglesa, procurava desesperadamente no dicionário, palavra a palavra, durante um teste, tudo o que não sabia.A propósito do artigo de primeira página no PÚBLICO de 30 de Abril, deixem-me contar-vos uma pequena história verídica: sou professora de Inglês numa escola secundária. Há tempos, um aluno de 10.º ano, nível 6 da língua inglesa, procurava desesperadamente no dicionário, palavra a palavra, durante um teste, tudo o que não sabia. Vendo que estava a perder muito tempo, abeirei-me dele e pedi-lhe que me dissesse o que procurava porque estava a perder muito tempo. Procurava a palavra "mas"! Fiquei perplexa e respondi-lhe: "Então não é but?" Agradeceu-me e, mal eu virei as costas, chamou-me e disse-me: "Já agora, professora, podia dizer-me como se diz "o". E eu: "o" de o, a, os, as?" Sim, foi a resposta!
Não estou a brincar, juro. Acontece que este aluno NUNCA tinha tido uma única nota positiva a Inglês desde o 5.º ano de escolaridade. Chamei a mãe que, ingenuamente, me confirmou que, como ele, "não dava para o Inglês", já lhe tinha dito que estudasse as outras disciplinas e deixasse aquela de lado.
Na mesma turma, de 27 alunos, havia excelentes alunos na disciplina, outros que tinham explicação, outros que andavam no Instituto de Línguas há anos, etc. Como é que no fim do ano, por mais esforços que o professor faça, se passa um aluno destes que nem sequer compreende uma palavra do que eu digo nas aulas? No secundário, como é sabido, as disciplinas são de passagem obrigatória, uma a uma.
E falam da Finlândia! O primeiro-ministro esteve na Finlândia a ver as escolas e veio de lá encantado. Eu conheço bem o sistema finlandês e por isso me pergunto: será que não reparou que, dentro da sala de aula, há outro professor só para ajudar estes alunos e não fazer os outros perderem tempo de aprendizagem? Será que a OCDE sabe que as famosas aulas de apoio em Portugal são facultativas ao nível do secundário? Será que a OCDE sabe que as aulas de apoio em Portugal não são "tempos lectivos" no novo Estatuto da Carreira Docente, ou seja, "ensina-se" mas não se está a "leccionar"? Será que os pais dos outros países estudados pela OCDE dizem aos filhos para deixarem uma ou duas ou três disciplinas de lado porque "não dão para aquilo"?
Não brinquem com o ensino e com os professores, se faz favor. Venham, incógnitos, disfarçados, escondidos ou às claras, ver o que se passa nas nossas escolas. Por favor, não se deixem enganar por aqueles que julgam que, por decreto, boa vontade, caridade cristã, se passam alunos que nunca perceberam o que significa estudar.
O Presidente da República espanta-se com a ignorância dos jovens em termos políticos e cívicos; aos professores já nada os espanta. Nem mesmo quando um jovem, com cinco anos completos de estudo de Inglês, não sabe dizer but!
E, já agora, aproveito para acrescentar: se as notas dos nossos alunos contam para a nossa avaliação, e uma vez que o Inglês nem sequer tem exame nacional, não irá acontecer que os piores professores de entre toda a classe não começarão a passar os alunos que não sabem dizer but e terão uma excelente avaliação, e os melhores, os que ainda sabem o que estão a fazer, serão sacrificados pelos seus princípios deontológicos?»
Carmo Gago da Silva, professora
Setúbal

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