sexta-feira, 30 de novembro de 2007

DEMOLHA DO BACALHAU E GESTÃO EFICIENTE (publicado no Diário de Coimbra em 29/11/2007)

Na semana passada, o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) afirmou “que há pelo menos quatro ou cinco universidades públicas em colapso financeiro, sem orçamento para as despesas até ao final do ano”. No mesmo período, tomámos conhecimento que a Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC) está “sem dinheiro para pagar subsídios de Natal” e a direcção pedia a “melhor compreensão de todos”.
Em causa estão, segundo o presidente do CRUP, “os pagamentos dos salários de docentes e funcionários e a manutenção do normal funcionamento das instituições, despesas para as quais as universidades já não têm orçamento devido à redução do investimento público no Ensino Superior e a novos encargos financeiros que os estabelecimentos têm que assegurar, como aumentos salariais e aumentos nas contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (CGA)”.
Quando assim acontece pede-se reforço orçamental ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). Desconheço se os docentes e funcionários de alguma universidade ficaram sem subsídio de Natal.
No caso do IPC o MCTES, segundo o Diário de Coimbra, “fez uma análise financeira, que estará na posse do IPC desde 17 de Outubro, na qual é demonstrado que a instituição tem dinheiro (saldos transitados do ano anterior), não estando em causa o pagamento de despesas com pessoal”. Se a análise foi feita às contas de gerência de 2006, os saldos são referentes a 31 de Dezembro de 2006. À presente data, Novembro de 2007, os referidos saldos devem ter sofrido um “desgaste” brutal, pois, como informou o CRUP, durante o ano de 2007 têm sido usados para assegurar as contribuições de 7,5% para a CGA.
No entanto, o MCTES “manda” o Presidente aplicar a gestão flexível, a qual está enquadrada na lei de execução orçamental para 2007. Contudo, nos politécnicos com modelos de federação de escolas com autonomias muito fortes (a regra do equilíbrio orçamental é feito por unidade orgânica), como é o caso do de Coimbra, este processo de tomada de decisão é bastante difícil, contrariamente ao modelo da maioria das universidades.
Segundo a OCDE, na sua comunidade de países o investimento em Educação tem sido massivo. Em Portugal o investimento no ensino superior, em termos da percentagem do PIB, é inferior à média dos países da OCDE, de acordo com os dados no Education at Glance de 2007, relativos a 2004. Relativamente à média das propinas cobradas pelas instituições de ensino superior entre os países membros da OCDE e os países parceiros, há grandes diferenças. Um quarto dos países da OCDE (os nórdicos, a República Checa, Irlanda e Polónia) não cobra propinas no ensino público. Em Portugal cobra-se, como sabemos.
Como tal, os orçamentos das nossas IES têm duas componentes distintas: do orçamento de estado (OE) e das receitas próprias.
Como na maioria das IES a componente orçamental de OE não chega para pagar salários (mesmo com as progressões congeladas), os mecanismos de gestão tem de ser bastante eficientes. Contudo, a lei de equilíbrio orçamental (saldos acumulados não podem ser usados), condiciona determinantemente uma gestão plurianual, promovendo uma cultura de gestão de “gasto apressado” contrária à de “investimento planeado”.
Para o OE de 2008 estão a ser introduzidas regras excepcionais ao nível das progressões na carreira e nos prémios de desempenho, que pressupõem a existência de dirigentes com perfis de gestão à altura para conseguir gerir orçamentos exigentes, de forma a que seja possível as progressões, os prémios e as novas contratações.
Infelizmente, ainda há muito a fazer para se atingir uma cultura de gestão eficiente nas IES, agora evidenciada através do choque provocado pelo desinvestimento público. O deficiente planeamento estratégico e a falta de apetência de alguns dirigentes para as tarefas de gestão, são algumas das variáveis a corrigir.
Se por um lado é frequente exigirmos modelos claros e transparentes de financiamento, por outro, constata-se que muitas IES não o aplicam dentro de portas.
Quantas IES publicam os seus relatórios de contas? Quantas IES têm Revisores Oficiais de Contas? Quantas prestam contas consolidadas? Quantas IES possuem mecanismo de controlo gestão interno, com contabilidade analítica? Quantas gerem eficientemente a execução orçamental? Quantas controlam eficientemente a sua segunda fonte de receita: as propinas dos alunos?
Quantas IES têm politicas de gestão eficiente de recursos? Por exemplo, a energia? e o gás? e a água?
Esta questão abre uma dimensão quase mesquinha, por muitos considerada limitada ou pobre, que nos confronta com o desperdício de recursos. Tomemos a demolha do bacalhau, como um exemplo de má prática e não como uma fugira de estilo. Assim, em quantas cozinhas das cantinas das IES o “fiel amigo” é (ou era ?) demolhado em água corrente ?
Não sendo uma redução ao absurdo, revela um non sense na gestão da “coisa” pública.

1 comentário:

Regina Nabais disse...

Olá João Orvalho, aqui está um post, no qual algumas das afirmações teriam sido excelentes alíneas de um RJIES.
Gostei muitíssimo do que aqui disse, e como sabe, subscrevo; se bem que, pelo que oiço dizer, e tenho visto por escrito, em muitas intervenções públicas de gestores de topo, pessoalmente, já me contentava que soubessem fazer umas contitas de somar e de sumir.

Abraço,

Regina