sexta-feira, 24 de abril de 2009

Para onde se liga a dizer que Portugal tem um problema?

"Roubei" este título à Helena Matos, do seu artigo de ontem (23/4/2009) no Público. Tomo a liberdade de o publicar, pela sua qualidade e pela relevância no contexto actual.

O primeiro-ministro acha que magistrados, polícias e jornalistas conspiram para lhe inventar passados
Não quero saber da mãe, do primo, do tio e de quem mais seja das relações do cidadão José Sócrates. Muito menos me interessa saber quais os canais de televisão de que gosta ou não gosta. O que não é suposto é que as entrevistas ao primeiro-
-ministro se tornem numa sessão de psicanálise em torno de um qualquer eu. Quero mesmo acreditar que não foi o primeiro-ministro de Portugal quem esteve na RTP a ser entrevistado mas sim uma outra pessoa que por acaso se chama José Sócrates e que, naquilo que na gíria se chama contar um caso de vida, ali foi dar conta de como pensa enfrentar os conflitos reais ou imaginários que outros mantêm com ele.
Quando os homens da Apollo 13 perceberam que algo estava a correr mal naquela que parecia ser mais uma viagem à Lua, lançaram o célebre: "Okay, Houston, we've had a problem here". E Houston respondeu e naturalmente pediu-lhes que repetissem o que acabavam de dizer. Afinal as más notícias precisam muito mais do que as boas de serem repetidas para que consigamos acreditar naquilo que se acaba de ouvir. A minha grande dúvida ao ver as últimas intervenções de José Sócrates é: a quem avisamos nós que temos um problema?
Portugal não tem propriamente Governo neste momento. Temos sim uma estrutura que vive do anúncio do futuro liderada por um primeiro-ministro que acha que magistrados, polícias e jornalistas no país e fora dele conspiram para lhe inventar passados. À semelhança da Apollo 13, Portugal está num não-lugar e num não-tempo em que à sexta-
-feira o povo vê e ouve sobre o passado do primeiro-ministro algo que já não sabe se o deve fazer rir ou chorar. Às quintas é a vez de o primeiro-ministro contrapor com cenários do futuro, venha esse futuro através de leis cada vez feitas mais à pressa ou pelo lançamento virtual de obras cuja factura funciona tipo cartão de crédito a pagar pelos nossos filhos e netos.
José Sócrates tem de facto um problema com o tempo. Desde logo porque tropeça sistematicamente no seu passado. Depois porque, para seu e nosso azar, por causa desse passado vê cada vez mais comprometido o prestígio do cargo que presentemente ocupa. E por fim, mas não menos grave, quando José Sócrates anuncia medidas para o futuro percebe-se que não só não mudou desde esse passado como se constata que não aprendeu nada com o que designa como a sua "cruz" presente: tal como dantes mandava exames por fax e, enquanto ministro, aceitou participar em reuniões que o mais distraído presidente de junta de freguesia sabe que pode comprometer o mais honesto dos cidadãos, endossa agora para as gerações futuras as contas das medidas do seu Governo. Justa ou injustamente acossado pelo passado, o primeiro--ministro está irritado com o presente e pode comprometer o nosso futuro ao deixar-nos com obras onde o seu nome consta na pedra de lançamento e o nosso na lista dos endividadíssimos que, sem saber como, terão de pagar porque algures em 2009 foi preciso inventar futuros.

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