terça-feira, 29 de dezembro de 2015

COP21: a aposta na ciência (Diário de Aveiro, supl. Economia, 29/12/2015)

Durante 3 semanas o circo desceu à cidade luz. O verdadeiro desafio,  não muito evidente na agenda de Paris, é encontrar novas formas de fornecimento de energia que são de baixo custo e com baixas emissões de carbono.
A notícia mais animadora do ano vem da queda dos preços de energia solar e o desenvolvimento em diversas universidades e laboratórios, de todo o mundo, de avanços em várias tecnologias diferentes: conversão de resíduos, sistemas de armazenamento, redes, materiais avançados, entre outros. 
Muitas unidades de investigação acreditam que o carvão pode ser “limpo”; outras, desenvolveram baterias avançadas de lítio-oxigênio (lítio-ar), que custam e pesam um quinto das baterias de íons-lítio, que atualmente equipam a maioria dos carros elétricos. Esta nova bateria, com uma densidade de energia muito alta, eficiência superior a 90 por cento e com uma capacidade para mais de 2.000 ciclos de recarga é uma passo importante para o desenvolvimento desta tecnologia. Estes avanços, da investigação, poderão ser autenticas revoluções nos sistema de energia.
Muitos especialistas mundiais são críticos do “sucesso” do acordo de Paris, apesar de considerarem impressionante que os 195 países, pela primeira vez, tenham concordado com os cientistas: não podemos deixar a temperatura média do planeta aumentar mais de 2°C em relação à era pré-industrial – e ainda por cima que não passe de 1,5°C.
Há uma corrente, cada vez mais forte, que pensa que a melhor opção está na ciência, a qual pode transformar a relação da economia entre oferta e consumo de energia.
O próprio Comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, apelou no COP21 a mais investimento da parte dos Estados-membros na investigação sobre energias renováveis,  disse que é "preciso fazer mais"; que "é tempo para investir mais”; que “o triângulo consiste na redução do custo das tecnologias, na passagem para o mundo digital e na transferência dos subsídios das energias fósseis para a ciência”; e que "sem investigação e sem ciência não se podem resolver aqueles que são os grandes paradigmas do problema climático".
De facto, não me importa se a ciência é efectuada pelo serviço público ou pelo privado, ou se é feita em Boston ou em Aveiro, o importante é ter energia produzida a baixo custo, para abandonarmos o carvão, “sujo” e barato, e reduzirmos substancialmente os combustíveis fósseis.
Espero que Paris tenha inspirado os líderes das cidades e das empresas a redobrarem os seus esforços para reduzirem as suas emissões, apostando, por exemplo, na ciência.


João Orvalho, ex-Coordenador Geral do Projecto SmartCoimbra (Coimbra Smart City), jgorvalho@gmail.com

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Smart Cities: O Parque e a Cidade (Diário de Aveiro, supl. Economia, 15/12/2015)

Imperativos demográficos, económicos, sociais e ambientais têm estimulado a aposta em novos modelos de desenvolvimento urbano, assim como em formas inovadoras de gestão das infraestruturas e prestação de serviços públicos. Neste caso, o paradigma das smart cities afirmou-se como uma resposta a esta necessidade e  provocou a abertura de fortes linhas de financiamento do H2020. Em Portugal avança-se “timidamente”, desarticuladamente, sem estratégia nacional, apesar da existência de uma rede: RENER – Rede Portuguesa de Cidades Inteligentes e de muitos documentos orientadores, como é o caso do “Cidades Sustentáveis 2020” (Diário da República, 1.ª série—N.º 155—11 de agosto de 2015). No entanto, temos alguns bons exemplos, ou como se diz: “boas práticas”, como é o caso da cidade de Águeda.
Sabemos que as smart cities europeias, de maior sucesso, são áreas urbanas onde emerge um novo balanço de poder entre as políticas públicas, as empresas e a sociedade civil, no âmbito de um modelo de governação aberta e interactiva.
Sabemos que, um muitos casos, os tradicionais processos de regeneração urbana deram lugar a projectos estratégicos com vista à criação de espaços urbanos smart, nos quais se aliou a sustentabilidade, a engenharia social e a tecnologia, com uma forte participação da comunidade.
Sabemos que muitos projectos começaram com reflexões multidisciplinares sobre a “cidade que temos e a cidade que desejamos”, através de modelos de conferencia e/ou workshop, de preferência com um cariz internacional.
Pois, foi isso mesmo que aconteceu em Águeda, em 2013, com uma série de eventos que culminaram numa Workshop internacional: O PARQUE E A CIDADE, de 5 a 14 de Setembro. Esta reflexão sobre o processo de regeneração urbana trouxe contributos inovadores, originais, resultantes de processos criativos e abordagens interdisciplinares, surgindo projectos capazes, mas também e, acima de tudo, “novos princípios e orientações sobre a maneira de conceber a transformação da cidade existente e o seu desenvolvimento e relacionamento para com os espaços e territórios envolventes”. Foi um ponto de partida, que vai dando bons frutos, obrigando a um permanente reequacionar do pensamento e da acção do desenvolvimento de uma cidade. Um exemplo que faz jus ao provérbio chinês: “Visão sem acção é sonho. Acção sem visão é pesadelo”.

João Orvalho, ex-Coordenador Geral do Projecto SmartCoimbra (Coimbra Smart City), 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Volkswagen e Software Fraudulento (2) (Diário de Aveiro, supl. Economia, 20/10/2015)

Precisamos de uma melhor verificação do software que controla as nossas vidas. Isso passa por mais transparência e fiscalização. A transparência significa, por exemplo, disponibilizar o código fonte (software) para análise. É apenas um primeiro passo, pois, como a comunidade de código open-source bem sabe, o código, para além de disponível, tem de ser analisado. Mas, como o software é muito complexo, a sua análise é muito limitada por organismos reguladores, devendo o processo ser aberto a instituições da comunidade científica e privadas. No fundo, o código fonte deve estar disponível para toda a gente.
No entanto, a transparência e a fiscalização no mundo do software esbarra na natureza proprietária de muitos sistemas, invocando as empresas o direito de proteger os seus interesses. Contudo, os interesses públicos de muito desse software tem de se sobrepor a este “fechamento”, especialmente no software de serviços críticos: dispositivos médicos, sistemas de voo, sistemas de transporte, sistemas de energia, etc. Esta cedência do controlo aos algoritmos-software em serviços críticos, que controlam as nossa vidas, tem de ter mais transparência, para verificarmos que não nos estão a ludibriar.
Hoje, tudo é electrónico num carro. Existem cerca de 70 minicomputadores que controlam motor, portas, travões, luzes, rádio, etc. Como refere um engenheiro, português, especialista em automóveis: “Por lei, e moralmente, não se podem usar Defeat Devices que aumentem as emissões, isto é, qualquer coisa que saiba quando o carro está num laboratório de testes ou na estrada e por isso mesmo use calibrações diferentes, que fazem com que as emissões sejam mais baixas no laboratório do que na estrada.” E continua: “um exemplo é o controlo da válvula EGR.” E explica a fraude no algoritmo-software: “a válvula EGR diminui a performance e pode aumentar o consumo de combustível, quando está ativa. Se o carro estiver a ser testado no laboratório a uma velocidade relativamente baixa tem a válvula EGR aberta, para diminuir NOx, e nas mesmas condições na estrada tem a válvula EGR fechada, para melhorar a performance, porque detectou automaticamente que não estava em laboratório”.

Relembro que os NOx (monóxidos e dióxidos de azoto) são bastante prejudiciais para a saúde das pessoas, e, também, “ajudam” a formar as chamadas chuvas ácidas. Software fraudulento como este é fácil de fazer e difícil de provar. Gera biliões de lucros e milhões de prémios para os executivos dispostos a mentir e a enganar. Alguns são julgados, condenados e presos, como, por exemplo, Stewart Parnell dono da Peanut Corporation of America, que foi  condenado em 28 anos em setembro de 2015.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Volkswagen e Software Fraudulento (1) (Diário de Aveiro, supl. Economia, 6/10/2015)

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) acusou a Volkswagen (VW) de enganar os testes de emissões para meio milhão de seus carros vendidos nos EUA. Foi com software fraudulento que os carros a diesel da Volkswagen e Audi manipularam os testes de emissões. A EPA descreveu o software da Volkswagen como um "dispositivo manipulador", fazendo que os carros aquando dos testes em laboratório cumprissem os padrões de emissões, mas durante a operação normal emitam óxido de azoto (NOx), até 40 vezes, superior ao valor padrão.
A fraude nos testes de regulação automóvel no EUA tem uma longa história, sendo a VW reincidente. Contudo, este escândalo é único, quer pela sua dimensão, quer pela complexidade digital: a fraude foi pré-programada no algoritmo do controlo de emissões. Como os computadores permitem novas formas de fraude, a aldrabice foi encapsulada no software para ludibriar os próprios testes. Como o software é "inteligente", comparativamente com os objetos normais, a fraude pode ser subtil e muito difícil de detectar. Temos muitos exemplos de fabricantes de smartphones que ludibriam os testes de velocidade dos processadores, para ficarem bem na foto do benchmark com a concorrência.
Como a Internet das Coisas (IoT) está a chegar, são muitas as indústrias que estão a incorporar computadores nos dispositivos dos seus produtos, criando novas oportunidades para os fabricantes entrarem em caminhos da fraude. Por exemplo, um lâmpada inteligente pode enganar os reguladores, “parecendo” mais eficiente energeticamente do que realmente é. E se os sensores de temperatura enganarem os compradores, fazendo-os crer que o alimento foi armazenado a temperaturas seguras, contrariamente às que de facto foram. E quanto ao voto electrónico ?
Receio que este caso da VW venha a ser considerado um acidente. A qualidade global do software é critica, verificando-se milhares de erros de programação. Muitos deles não afectam as operações normais, por isso o software genérico funciona sem problemas de maior, no entanto precisa de atualizações periódicas. Se alguém quiser passar software batoteiro, integrando-o numa atualização que corrige um erro de programação, a aldrabice, quando detectada, vai aparecer como um acidente. Ora, o assustador disto é que este processo é muito mais fácil do que as pessoas pensam.

A segurança convencional de computadores está preparada para outro paradigma: hackers que violam acessos. Precisamos de uma melhor verificação do software que controla as nossas vidas. Isso passa por mais transparência e fiscalização (continua).

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Hackathon no Porto de Aveiro ?! (Diário de Aveiro, supl. Economia, 22/9/2015)


Hackathon é um evento que reúne programadores, designers e outros profissionais ligados ao desenvolvimento de software, para uma maratona de programação. O termo resulta de uma combinação das palavras inglesas “hack” (programar de forma excepcional) e “marathon” (maratona). Nos passados dias, 4 e 5 de Setembro de 2015, realizou-se o 3º World Port Hackathon no Porto de Roterdão. Este Hackathon foi coorganizado e suportado por entidades cuja vida se desenvolve, de forma significativa, no porto: administração do Porto de Roterdão; empresas do sector logístico; armadores; universidade e outras instituições de educação; empresas tecnológicas; coderdojo de Roterdão e muitos outros seus parceiros. É digno de realce a relação de envolvimento existente entre as instituições de educação e o seu porto (Roterdão). Este Hackathon gira, principalmente, em torno de dados abertos e “big data”. Assim sendo, foram disponibilizados vários conjuntos de dados (estáticos e dinâmicos), por diferentes partes interessadas, com maior destaque o Porto de Roterdão apresentou, por exemplo, um conjunto de dados sobre a densidade de tráfego medida por sensores embutidos nas estradas ou sobre o sistema de gestão do tráfego usado dentro do porto. Também, a tecnologia da IoT – “Internet of Things” foi colocada aos dispor, de forma à criação de algo mais tangível, bem como, diversos tipos de sensores, relógios e óculos inteligentes. Os desafios colocados e dinamizados pelos parceiros, tiveram como objectivo o desenvolvimento de conceitos e construção de protótipos que contribuam para que o Porto de Roterdão seja mais seguro, sustentável, inovador, inspirador e economicamente viável. Estes desafios foram colocados em três grandes áreas: logística e conectividade; infraestruturas; segurança. Como contribuir para uma maior transparência nos transportes? Qual a posição atual? Qual o destino? Quanto é a carga? Contudo, esta informação será tão ou mais valiosa quando interligada com o planeamento e, facilmente, visualizada. Nas infraestruturas, inovação num porto é consequente, quando torna possível lidar com a informação disponível de forma mais inteligente, melhor e em maior quantidade, contribuindo para que todo o processo entre a partida e a chegada, quer de um navio ou de um camião, seja suave e eficiente. Quanto à segurança, num porto há muitos interesses envolvidos, tendo a inovação (digital, controlo, etc) um papel fundamental para o enriquecimento da cooperação. Seguindo o exemplo do que acontece em grandes portos com a realização destes Hackathons, criando-se sinergias e dinâmicas de interesses, o Porto de Aveiro deveria, também, ter o seu! Porque não?