Não precisamos de boas estatísticas, precisamos de bons alunos
José Manuel Fernandes - 20080619 - Director do Público
Três anos e meio depois, é cada vez mais claro que uma mulher que se apresentou como grande reformadora do sistema educacional há muito que passou a funcionar apenas em função dos resultados estatísticos que puder apresentarQuando Maria de Lurdes Rodrigues foi nomeada ministra da Educação pouco se sabia da sua experiência política excepto que, como colaboradora de Mariano Gago no tempo em que este passara pelo Ministério da Ciência, realizara um trabalho competente de sistematização estatística. Na pequena ficha que, a 5 de Março de 2005, se escrevia no PÚBLICO sobre esta figura ainda desconhecida da opinião pública referia-se que "a socióloga Maria de Lurdes Rodrigues, 48 anos, foi a primeira presidente do Observatório das Ciências e das Tecnologias, criado em 1997 por Mariano Gago" e que "a sua função era recolher estatísticas sobre a actividade científica portuguesa".
Três anos e meio depois, é cada vez mais claro que uma mulher que se apresentou como grande reformadora do sistema educacional, e que tomou algumas medidas correctas e importantes no início do seu mandato, há muito que passou a funcionar apenas em função dos resultados estatísticos que puder apresentar. Só assim se compreende a forma agressiva como, nos últimos tempos, tem reagido a todas as críticas, vindas quer das associações de professores (não confundir com sindicatos), quer das sociedades científicas sobre o caminho que está a seguir para conseguir essas estatísticas. Mais exactamente: sobre o facto de uma ministra que tem dito que deseja dificultar a possibilidade de "reter" um aluno que não tem as competências mínimas para passar de ano ter criado um clima que permite que o nível de exigência nas provas de aferição e nos exames nacionais do 9.º e 12.º anos possa estar a descer. E só dizemos "possa estar" e não que está mesmo a descer porque neste domínio se recomenda um cuidado que não é compaginável com a arrogância. Esta fica para os responsáveis do ministério e pode bem caracterizar a forma como ontem tanto a ministra, como o director do Gave - o gabinete responsável pelas provas - reagiram às críticas quer da Associação de Professores de Português, quer da Sociedade Portuguesa de Matemática.
Se os nossos estudantes tivessem evoluído de forma gradual, ao longo do mandato deste Governo, passando de elevados percentagens de provas de aferição negativas no 4.º e 6.º anos tanto a Matemática como a Português, estaríamos aqui a celebrar: todos desejamos melhores níveis de aprendizagem ao longo de todo o ciclo de ensino.
Agora aquilo que surpreende é que se celebre, como a ministra fez, um salto inverosímil na qualidade das aprendizagens - de repente as negativas a Matemática passam para metade nos 4.º e 6.º anos - quando as indicações vindas da evolução do sistema ainda o ano passado iam em direcção contrária, pois o famoso plano de recuperação que já estava em marcha não tivera qualquer efeito nos exames do 9.º ano, onde os resultados haviam piorado. Será que tal plano só teve efeito nos primeiros ciclos? Ou será que, como defende uma sociedade científica dirigida por um matemático cujas qualidades como divulgador foram este anos premiadas a nível europeu, os exames eram demasiado elementares?
Ainda antes de conhecer os resultados das provas já a SPM havia levantado o problema. Não ficou à espera dos resultados para dar a sua opinião: pronunciou-se a tempo e horas. E sem o fazer na base do ataque pessoal ou de carácter, ao contrário do que ontem fez o director do Gave, Carlos Pinto Ferreira, a quem não se conhecem competências para dizer que alguém como o presidente da SPM, Nuno Crato, deve ser uma pessoa "que de certeza absoluta não sabe nada de avaliação educativa".
A incapacidade de suportar a crítica e de responder com argumentos sérios, fundamentados e detalhados marcou de resto o discurso de ontem dos responsáveis ministeriais e pode até ser a explicação para o que resulta de incompetência ou de golpe de baixa política: não enviar os critérios de correcção às associações de professores, impedindo-as assim de se pronunciarem a tempo e horas para os meios de comunicação social. Será por recearem ser criticados? Ou por retaliação face a críticas anteriores?
Esperava-se que face a um tema tão importante como a avaliação do processo de avaliação o ministério actuasse com mais transparência a abertura à crítica, até porque esta tem sido feita de forma construtiva. Tal como não se esperavam comportamentos que indiciam reacções do tipo "quem se mete com o PS, leva".
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