"O Bloco de Esquerda cresceu em visibilidade e em votos, em boa parte graças a SócratesO Bloco de Esquerda (BE) cresceu muito e a gripe A vem aí em força (mas estamos preparados): o que tem isto a ver com táctica e estratégia? Tudo.
Qualquer livro de aeroporto nos ensina, em termos simples, que a táctica tem a ver com alcançar objectivos de curto prazo; e que a estratégia pretende alcançar os grandes objectivos, a mais longo prazo. Neste sentido, a táctica deve obedecer aos objectivos estratégicos. Não é este, no entanto, o sentido coloquial das expressões, em que tudo é estratégia. Fala-se, em política, da estratégia para um debate, quando devíamos chamar-lhe táctica; fala-se, no mundo das empresas, de estratégia para lançar um produto, quando é táctica. O objectivo estratégico é, em cada caso, ganhar as eleições ou aumentar a quota de mercado e os lucros.
Alem disso, (pelo menos) em política, nem sempre a táctica está ao serviço da estratégia, porque a visão dos intervenientes é demasiado curta. E, sobre isso, temos dois exemplos: o BE e a gripe A."
Desde o início da legislatura, Sócrates elegeu Louçã para opositor; tacticamente, deixava o PSD a falar sozinho. É certo que este ajudou metendo os pés pelas mãos, mas a táctica de Sócrates resultou. Contudo, neste caso, implicou uma derrota estratégica grave para o PS e para a democracia.
Foi chocante, quando o PSD apresentou um programa de medidas anti-crise alternativo ao do Governo, ele não merecer uma discussão séria. Sócrates, como manobra de diversão, preferiu ignorar a proposta, atacando Louçã para não discutir com o PSD. A comunicação social ajudou à festa: Sócrates e Louçã são bons tribunos e davam grandes frases para grandes títulos.
Esta manobra táctica teve ganhos (tácticos), mas consequências estratégicas graves. Primeiro, ao longo de quatro anos, a opinião pública ficou com a percepção de que a oposição era o BE, desviando o centro de gravidade da política para a esquerda. Louçã, naturalmente, agradeceu; aliás, há bem poucos dias, afirmava que se sentia muito honrado por Sócrates ter escolhido o BE como inimigo principal. Por isso, o BE cresceu em visibilidade e em votos, em boa parte, graças a Sócrates. Segunda derrota estratégica foi o Governo actual aparecer como sendo de direita; de facto, face ao opositor escolhido por Sócrates - o BE -, era verdade. Embora, em comparações internacionais, tal não fosse. Agora, parecer de esquerda (face ao Bloco) para ganhar votos é tardio e suicidário, porque o centro de gravidade da discussão política, por decisão táctica, está à sua esquerda. E arriscam-se a não ganhar votos à esquerda e a perder votos ao centro; ou seja, arriscam-se a perder as eleições.
Outro exemplo de manobra táctica, mas que resultou em pleno, foi o empolamento do problema da gripe A. Visitei Nova Iorque em Agosto, comprei o New York Times (o meu jornal preferido) todos os dias e não me apercebi de nenhuma notícia sobre a gripe A. E estava atento. Nas conversas com amigos americanos que visitei, nunca apareceu o tema da gripe A e, quando eu propositadamente o trazia à baila, ficavam surpreendidos com a conversa. Em Londres passa-se exactamente o mesmo: ninguém fala do assunto. E noutras capitais importantes, onde tenho conhecidos e amigos, a gripe A é uma não-notícia.
Tacticamente, o Governo elegeu como problema um não-problema: a gripe A. É um não-problema porque mata menos que a gripe normal, mas foi útil. Por um lado, resolver um problema que não existe tem sucesso garantido. Por outro, seria sempre um "problema" que vinha de fora e o Governo nunca seria culpado. Tudo isto para gáudio dos jornalistas que não tinham assunto para o Verão e passaram a ter. Converteu-se a ministra da Saúde em ministra da gripe, que nos ensina a lavar as mãos e que descreve em público a situação clínica de pessoas hospitalizadas (que eu não quero, nem tenho o direito de saber). Houve mesmo editoriais a elogiá-la como óptima ministra e grande comunicadora (por contraponto a Correia de Campos). Quando isto se estava a esgotar, apareceu o ministro do Trabalho e a Concertação Social discutiu o assunto. Finalmente, surge a ministra da Educação ajudando a manter a gripe A na agenda dos jornais. Foi golpe de mestre: discutiu-se a gripe mas não os problemas do país no período pré-campanha. Funcionou tacticamente e acertou com o objectivo estratégico. Só não tenho a certeza de que o país tenha ganho. Mas as empresas farmacêuticas também ficaram a ganhar: todas as velhinhas deste país andam com frasquinhos para desinfectar as mãos quando não o fazem com a gripe sazonal, muito mais perigosa do que a gripe A. E os anti-virais venderam-se como imperiais em Verão tórrido.
Mais exemplos se podem dar de manobras tácticas que, estrategicamente, podem ou não ser um desastre. O exemplo mais irritante é a utilização do mecanismo da inveja. Cada vez que se toma uma medida, contra os funcionários públicos, por exemplo, põe-se o país todo contra eles, com mecanismos bem orquestrados de inveja. Quando é contra os professores, faz-se o mesmo e o país clama por justiça popular. Tacticamente funciona, mas a prazo -estrategicamente-, como todos são, em algum momento, vítimas da campanha da inveja, ao fim de quatro anos temos todo o país irritado com Sócrates. Além disso, um povo picado pela inveja é um povo onde o eleitoralismo demagógico tem terreno fértil. E a demagogia e o populismo, estrategicamente, favorecem a direita (leia-se CDS-PP) ou a esquerda radical. E, logo, o PS sai mal, mais uma vez e infelizmente, mas por culpa de quem manda na estratégia governamental (ou será na táctica?).
Qualquer livro de aeroporto nos ensina, em termos simples, que a táctica tem a ver com alcançar objectivos de curto prazo; e que a estratégia pretende alcançar os grandes objectivos, a mais longo prazo. Neste sentido, a táctica deve obedecer aos objectivos estratégicos. Não é este, no entanto, o sentido coloquial das expressões, em que tudo é estratégia. Fala-se, em política, da estratégia para um debate, quando devíamos chamar-lhe táctica; fala-se, no mundo das empresas, de estratégia para lançar um produto, quando é táctica. O objectivo estratégico é, em cada caso, ganhar as eleições ou aumentar a quota de mercado e os lucros.
Alem disso, (pelo menos) em política, nem sempre a táctica está ao serviço da estratégia, porque a visão dos intervenientes é demasiado curta. E, sobre isso, temos dois exemplos: o BE e a gripe A."
Desde o início da legislatura, Sócrates elegeu Louçã para opositor; tacticamente, deixava o PSD a falar sozinho. É certo que este ajudou metendo os pés pelas mãos, mas a táctica de Sócrates resultou. Contudo, neste caso, implicou uma derrota estratégica grave para o PS e para a democracia.
Foi chocante, quando o PSD apresentou um programa de medidas anti-crise alternativo ao do Governo, ele não merecer uma discussão séria. Sócrates, como manobra de diversão, preferiu ignorar a proposta, atacando Louçã para não discutir com o PSD. A comunicação social ajudou à festa: Sócrates e Louçã são bons tribunos e davam grandes frases para grandes títulos.
Esta manobra táctica teve ganhos (tácticos), mas consequências estratégicas graves. Primeiro, ao longo de quatro anos, a opinião pública ficou com a percepção de que a oposição era o BE, desviando o centro de gravidade da política para a esquerda. Louçã, naturalmente, agradeceu; aliás, há bem poucos dias, afirmava que se sentia muito honrado por Sócrates ter escolhido o BE como inimigo principal. Por isso, o BE cresceu em visibilidade e em votos, em boa parte, graças a Sócrates. Segunda derrota estratégica foi o Governo actual aparecer como sendo de direita; de facto, face ao opositor escolhido por Sócrates - o BE -, era verdade. Embora, em comparações internacionais, tal não fosse. Agora, parecer de esquerda (face ao Bloco) para ganhar votos é tardio e suicidário, porque o centro de gravidade da discussão política, por decisão táctica, está à sua esquerda. E arriscam-se a não ganhar votos à esquerda e a perder votos ao centro; ou seja, arriscam-se a perder as eleições.
Outro exemplo de manobra táctica, mas que resultou em pleno, foi o empolamento do problema da gripe A. Visitei Nova Iorque em Agosto, comprei o New York Times (o meu jornal preferido) todos os dias e não me apercebi de nenhuma notícia sobre a gripe A. E estava atento. Nas conversas com amigos americanos que visitei, nunca apareceu o tema da gripe A e, quando eu propositadamente o trazia à baila, ficavam surpreendidos com a conversa. Em Londres passa-se exactamente o mesmo: ninguém fala do assunto. E noutras capitais importantes, onde tenho conhecidos e amigos, a gripe A é uma não-notícia.
Tacticamente, o Governo elegeu como problema um não-problema: a gripe A. É um não-problema porque mata menos que a gripe normal, mas foi útil. Por um lado, resolver um problema que não existe tem sucesso garantido. Por outro, seria sempre um "problema" que vinha de fora e o Governo nunca seria culpado. Tudo isto para gáudio dos jornalistas que não tinham assunto para o Verão e passaram a ter. Converteu-se a ministra da Saúde em ministra da gripe, que nos ensina a lavar as mãos e que descreve em público a situação clínica de pessoas hospitalizadas (que eu não quero, nem tenho o direito de saber). Houve mesmo editoriais a elogiá-la como óptima ministra e grande comunicadora (por contraponto a Correia de Campos). Quando isto se estava a esgotar, apareceu o ministro do Trabalho e a Concertação Social discutiu o assunto. Finalmente, surge a ministra da Educação ajudando a manter a gripe A na agenda dos jornais. Foi golpe de mestre: discutiu-se a gripe mas não os problemas do país no período pré-campanha. Funcionou tacticamente e acertou com o objectivo estratégico. Só não tenho a certeza de que o país tenha ganho. Mas as empresas farmacêuticas também ficaram a ganhar: todas as velhinhas deste país andam com frasquinhos para desinfectar as mãos quando não o fazem com a gripe sazonal, muito mais perigosa do que a gripe A. E os anti-virais venderam-se como imperiais em Verão tórrido.
Mais exemplos se podem dar de manobras tácticas que, estrategicamente, podem ou não ser um desastre. O exemplo mais irritante é a utilização do mecanismo da inveja. Cada vez que se toma uma medida, contra os funcionários públicos, por exemplo, põe-se o país todo contra eles, com mecanismos bem orquestrados de inveja. Quando é contra os professores, faz-se o mesmo e o país clama por justiça popular. Tacticamente funciona, mas a prazo -estrategicamente-, como todos são, em algum momento, vítimas da campanha da inveja, ao fim de quatro anos temos todo o país irritado com Sócrates. Além disso, um povo picado pela inveja é um povo onde o eleitoralismo demagógico tem terreno fértil. E a demagogia e o populismo, estrategicamente, favorecem a direita (leia-se CDS-PP) ou a esquerda radical. E, logo, o PS sai mal, mais uma vez e infelizmente, mas por culpa de quem manda na estratégia governamental (ou será na táctica?).
Sem comentários:
Enviar um comentário